TRABALHOS ACADÊMICOS SOBRE Saúde da UFRGS
O dispositivo do transtorno do déficit de natureza: um estudo sobre a importância do contato com a “natureza” para a saúde dos sujeitos
2022
Autor
Thaís Presa Martins
Orientador
Tatiana Souza de Camargo
Nível Acadêmico
doutorado: Doutorado
Resumo
O Transtorno do Déficit de Natureza (TDN) é um termo/objeto cunhado, em 2005, nos EUA, pelo jornalista Richard Louv, no livro best-seller “Last Child in the Woods” (LCW). O TDN designa problemas de saúde física, mental e emocional decorrentes da falta de contato com a “natureza” nas últimas décadas do Ocidente urbano, marcadas pelo intenso uso de tecnologias digitais. Tal invenção e sua circulação criaram condições de possibilidade para o estabelecimento de uma “nova” rede de elementos – o Dispositivo do TDN. À vista disso, esta Tese objetivou: a) analisar como foi sendo constituído e com que finalidades opera o Dispositivo do TDN, que tipo de sujeitos produz, como fala da relação com a “natureza”, e quais são os seus efeitos na atualidade; b) problematizar como se fala da presença/ausência de contato com a “natureza” hoje, enquanto sinônimo de saúde/doença de indivíduos e de populações. O estudo teve embasamento teórico-metodológico pautado pelo campo dos Estudos Culturais, em suas vertentes pós-estruturalistas, com inspiração nos estudos foucaultianos. Atentaram-se para as ferramentas analíticas – subjetividade, relações de saber/poder, normal/anormal, regime de verdade, disciplina, biopolítica, biopoder, governo de condutas, dispositivo –, produtivas para pensar sobre “natureza”, saúde/doença, educação. Revisitaram-se (des)continuidades históricas nas formas de narrar a “natureza” e nas redes em que ela vai sendo construída e tomada enquanto estratégia, atendendo a finalidades científicas, midiáticas, ambientalistas, políticas, econômicas. Apontaram-se implicações dessas tramas em meio a relações de saber/poder e jogos de verdade, que vão produzindo o “verdadeiro”, interpelando-nos e subjetivando-nos a relacionarmo-nos com a “natureza” de certos modos. Trataram-se de ditos ao longo do tempo/espaço que tomam a “natureza” como sinônimo de saúde; a sua falta (o déficit de natureza) como doença (o TDN), e “novos” tipos de medicalização dos sujeitos, das cidades, do meio. A partir do TDN, do sucesso de vendas do LCW e do potencial de interpelação que apresenta, tais “verdades” científicas, médicas, midiáticas, pedagógicas vêm promovendo “novas” tecituras entre elementos. Dentre eles, organizações; instituições; documentos; leis; políticas; ações pedagógicas e de conservação ambiental; planos arquitetônicos, urbanísticos, paisagísticos; jardins terapêuticos e de reabilitação; negócios de design ecológico; mercado imobiliário com mais áreas verdes. Nessa perspectiva, empreenderam-se quatro análises. A primeira, sobre orientações médicas de um manual dirigidas a discentes, a docentes e à comunidade escolar, enquanto táticas disciplinares e biopolíticas em direção ao aumento do contato com a “natureza” dentro e fora dos muros 10 escolares, num caminho em prol da melhoria da saúde. A segunda, a respeito de narrativas de um vídeo que tomam os povos tradicionais como modelo de sujeitos mais “saudáveis” e de sociedades mais “sustentáveis”, ao viverem em “equilíbrio com a ‘natureza’”. A terceira, acerca de excertos do LCW que, ao “prescreverem ‘tempo verde’” para TDAH/TDN, criam “novos” modos de controle de alunos “anormais” na atual conjuntura escolar urbana. A quarta, a partir de prescrições médicas de um manual direcionadas a famílias e a pediatras que, ao estabelecerem responsabilidades ético-morais para pais e médicos em prol do contato com a “natureza” para a saúde de crianças/adolescentes, governam condutas individuais e populacionais, estabelecendo uma “nova” medicalização das relações sujeito/“natureza”. Em suma, se pondera que o Dispositivo do TDN vem pondo em ação discursos “verdadeiros” sobre “natureza”, condições de vida saudável, saúde/doença, (des)emparedamento da infância, modelo de vida “sustentável”. Logo, a “natureza” imbricada à saúde/doença e ao “bom” governo de condutas designa uma das táticas pelas quais o biopoder opera, atualizando-se e intensificando-se na conjuntura (pós-) pandêmica. Por conseguinte, promover discussões acerca das relações entre “natureza” e saúde/doença configura-se como uma questão fundamental para as áreas de Educação, Saúde e Ambiente, e ações efetivas a esse respeito urgem
Palavras-chave
Dispositivo do transtorno do déficit de natureza; produção cultural da natureza; relação humano/natureza; biopoder; educação em ciências.
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