Observatório de Gestão e Políticas Públicas do TCE-RS
ENTREVISTA

Entrevista com

Renato Pedroso Lauris


Coordenador do Centro de Orientação e Fiscalização de Políticas Públicas do TCE-RS



1.A atual gestão do TCE-RS definiu que a avaliação das políticas públicas é uma de suas prioridades. Quais as mudanças decorrentes dessa decisão no que diz respeito às auditorias a serem realizadas? A avaliação que o TCE-RS pretende realizar se dará apenas em auditorias operacionais?

A primeira mudança é trazer o enfoque em outras perspectivas para fiscalizar o gasto público. Além do atendimento aos requisitos legais e dos benefícios na redução de custos de compras públicas que o TCE-RS tem alcançado através da sua atuação concomitante, a avaliação das políticas públicas permitirá verificar se os gastos em determinados temas atingem os objetivos e resultados pretendidos pelos gestores (as conhecidas dimensões do gasto público da eficiência, eficácia e efetividade). A atuação concomitante tem produzido inúmeros benefícios e deverá ser aprofundada. Por outro lado, com a criação do Centro de Orientação e Fiscalização de Políticas Públicas (CPP), espera-se aprofundar a conhecimento técnico sobre a gestão das políticas públicas executadas pelos municípios gaúchos e o Estado (saúde, educação, segurança, assistência social, meio ambiente, entre outros), permitindo identificar pontos de melhoria e também boas práticas para o alcance dos resultados. Além das auditorias operacionais, a atuação do TCE-RS no acompanhamento de políticas públicas também irá ocorrer por meio de estudos, diagnósticos, e outros instrumentos, tais como acompanhamentos, inspeções, produção de indicadores, de cartilhas orientativas, levantamentos e monitoramentos. Em alguns casos, a fiscalização poderá envolver um conjunto de executivos municipais, independente da vinculação com um serviço regional de auditoria, ou ainda a interação entre os entes Estadual e Municipal e eventuais áreas “cinzas” e sobreposições de atuação. A avaliação é que, para além dos avanços dos últimos anos, podemos continuar evoluindo e inovando nos nossos processos de controle. As auditorias, tanto com foco em regularidade como operacionais, são os meios mais conhecidos de fiscalização utilizados pelos Tribunais de Contas. Além das auditorias, a atuação do TCE-RS no acompanhamento de políticas públicas também pode ocorrer por meio de estudos, diagnósticos, e outros instrumentos, tais como acompanhamentos, inspeções, produção de indicadores, levantamentos e monitoramentos. As avaliações que serão realizadas, abrangendo-se nesse termo todos os meios possíveis de levantamentos de dados e informações que possam ser úteis para evidenciar oportunidades de melhoria na governança e na gestão públicas, serão a base para variadas ações de orientação e de treinamento a gestores e servidores.

2.Historicamente, os Tribunais de Contas do Brasil constituíram um perfil de auditorias de regularidade cujo centro foi o controle de aspectos formais em torno da legalidade dos atos administrativos e da realidade contábil da gestão pública. A atual prioridade na avaliação das políticas públicas pretende um novo equilíbrio entre forma e conteúdo?

O TCE-RS evoluiu muito nas últimas décadas em termos de eficiência e efetividade nas suas ações. Precisamos falar mais sobre isso, porque os resultados são impressionantes considerando a realidade do Rio Grande do Sul. Com o desenvolvimento de novos recursos tecnológicos nós passamos de uma atuação que se dava quase que exclusivamente a posteriori para um modelo fortemente calcado em auditorias de acompanhamento, mais próximas aos fatos. Nosso sistema LicitaCon, por exemplo, que começou a ser desenvolvido em 2014, possibilitou ótimos resultados para os Municípios e o Estado. Também obtivemos muita economia nas análises de atos de pessoal. Veja-se o valor dos benefícios alcançados de janeiro de 2020 a março de 2022: quase 2,2 bilhões de reais. Considerando que estamos falando apenas de benefícios calculados por meio de critérios rigorosamente definidos, o que não abarca o total de benefícios. A tendência, com novos alertas e trilhas de auditoria, com avanços nas estratégias de inteligência, é termos ainda mais resultados, evitando muitas irregularidades e prejuízos aos cofres públicos. Então, a própria atuação na regularidade não está presa à dicotomia entre forma e conteúdo, pois as leis visam reduzir os riscos de desvios e trazer economia nas compras públicas sem favorecimentos, contribuindo para boa gestão do gasto público e melhorar a entrega de serviço público para quem dele precisar. A diretriz de avançar na avaliação de políticas públicas, concretizado na criação do CPP pela atual administração e no processo de capacitação de auditores de diversas áreas, pretende auxiliar o gestor público e sua administração a fazer mais com os recursos disponíveis. Ao focar num tema (ex. atenção básica) será possível fiscalizar se os compromissos esperados pelo gestor estão sendo alcançados ou ainda identificar falhas de implementação na política, oportunidades de melhoria ou boas experiências baseada em evidências. Então não considero que estamos na busca por um equilíbrio entre a forma e conteúdo. Penso ser equivocado querermos atribuir a um ou outro perfil de auditoria esta ou aquela qualidade. Ambos se preocupam com aspectos formais e com o conteúdo. As atuações operacional e de regularidade são imprescindíveis, mas têm enfoques distintos. Uma boa gestão deve ser avaliada pelo emprego regular dos recursos financeiros, a partir de uma análise de atos administrativos, mas, ao lado disso, também temos de fortalecer o caráter operacional da atuação de um Tribunal de Contas, pois ainda carecemos de ferramentas para acompanhar as políticas públicas de uma forma mais abrangente, verificando até que ponto os valores gastos realmente revertem em serviços de qualidade para a sociedade. Os Tribunais de Contas estão se organizando para um melhor acompanhamento das políticas públicas. Segundo diagnóstico recentemente realizado pela rede Integrar, 70% dos Tribunais de Contas já contam com estruturas especializadas de fiscalização de políticas públicas, justamente preocupados em melhorar a governança e a gestão em todas as esferas de governo em favor de melhores resultados para a cidadania. A avaliação de políticas públicas deve se somar às auditorias de regularidade de forma a tornar a atuação dos Tribunais de Contas mais completa. Com o tempo, a partir de uma atuação assim, desde a fase de planejamento de uma licitação, por exemplo, os órgãos auditados podem desenvolver as suas contratações sem irregularidades e mais concatenadas com os objetivos finalísticos das políticas públicas.

3.Qual a experiência que o TCE-RS já possui em avaliação de políticas públicas? Você poderia citar alguns trabalhos que tiveram uma maior repercussão?

Temos vários trabalhos realizados com perfil operacional, voltados a avaliar processos e resultados de políticas públicas específicas, por meio de auditorias, estudos, diagnósticos e levantamentos, que foram se aperfeiçoando ao longo dos anos e que resultaram em melhorias nas gestões estadual e municipal. Apesar da qualidade desses trabalhos, vale ressaltar que muito deles foram desenvolvidos por iniciativas e esforços pessoais de auditores. Mesmo assim, com análises realizadas de forma intercalada com auditorias de regularidade, demorando bem mais tempo do que seria recomendável nesse tipo de atuação, tivemos ótimas repercussões nos órgãos fiscalizados e nos meios de comunicação. Uma pequena amostra de trabalhos com grande repercussão que posso citar é a radiografia da educação infantil; o estudo sobre a eficácia e a eficiência da rede municipal de ensino fundamental de Porto Alegre; o estudo em relação a cenários de otimização para a Secretaria Estadual da Educação (distribuição mais eficiente de alunos nas turmas, sobreposição de escolas na educação infantil, entre outros, com estimativas do reflexo financeiro ao Estado) e auditorias em sistemas de saúde municipais com vistas à melhoria de indicadores, tais como a avaliação do tempo de serviço de emergência do SAMU e análise da regulação dos procedimentos hospitalares em Porto Alegre; avaliação de ações governamentais na área da Estratégia da Saúde da Família (ESF) em Caxias do Sul.

4.Para que a área técnica do TCE-RS tenha as melhores condições de realizar trabalhos de avaliação, será preciso investir em uma formação específica. O que deve ser feito para que a cultura da avaliação seja disseminada nos próprios Tribunais?

Ao lado das formações tradicionais, presentes nos Tribunais de Contas em grande medida, é recomendável contar com profissionais de outras especialidades como em políticas públicas, gestão pública, estatística, ciência de dados, sociologia, entre outros. Além disso, existe a necessidade de ouvir especialistas da área seja educação, meio ambiente, saúde, segurança ou outra área, que já tenham tido experiências de gestão pública e tiveram condições de avançar nessa perspectiva de avaliação e monitoramento de políticas públicas. Existem inúmeros casos aqui no Brasil de gestores que conseguiram promover uma sistemática de avaliação dos seus programas com bastante êxito e que podem compartilhar as suas experiências. Então para que essa cultura de avaliação seja difundida tem que haver um programa de formação continuada nessas áreas para que os auditores tenham as ferramentas e os métodos para promover um trabalho técnico consistente que adicione valor para o Gestor público e especialmente para os beneficiários dos serviços públicos. Nesse sentido, também incluiria a necessidade de celebração de parcerias com universidades e entidades representativas de gestores para permitir identificar os pontos mais desafiantes para um gestor e que seriam os pontos onde os Tribunais de Contas poderiam dar sua maior parcela de contribuição.

5.Qual a estrutura que o TCE-RS deverá construir para o trabalho de avaliação de políticas públicas?

Para consolidarmos uma cultura de avaliação no TCE-RS também é importante termos um componente de governança em nossa estrutura organizacional responsável por gerenciar esses trabalhos. Em outras palavras, é imprescindível institucionalizarmos essa atuação no nosso organograma. Nesse sentido, a atual administração permitiu a criação do Centro de Orientação e Fiscalização de Políticas Públicas (CPP), que já está dando os seus primeiros passos no sentido de coordenar ações voltadas ao acompanhamento de políticas públicas específicas. Além de contar com servidores lotados em tempo integral, espera-se trabalhar em cooperação com auditores distribuídos pelas demais unidades de fiscalização do TCE-RS, para realizar trabalhos específicos e com prazos determinados, estruturados a partir de diretrizes definidas no Plano Anual de Fiscalização. Há uma série de ganhos a partir dessa atuação coordenada: avanços no conhecimento especializado sobre diversos temas de políticas públicas; maior flexibilidade em atuações que envolvam esfera estadual e municipal (ex. escolas estaduais e municipais do ensino fundamental de uma mesma região, pactuação de metas de indicadores entre a Secretaria Estadual de Saúde e dos Municípios, etc...) e para trabalhos intersetoriais (ex. políticas públicas voltadas à primeira infância na educação e na saúde); realização de levantamentos mais abrangentes da estrutura das políticas públicas para subsidiar auditorias operacionais ou de regularidade; separação mais clara da atuação punitiva e propositiva, visto que a última pressupõe uma relação de cooperação para analisar os processos e os objetivos da política definidos pelo gestor para sugestão de soluções viáveis aos problemas identificados.



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